Bem adaptado ao novo lar, um território paraense de 15 mil m² na floresta amazônica onde aprende a desenvolver os comportamentos típicos da espécie, Xamã, filhote de onça-pintada que foi resgatado em agosto de 2022, em nada lembra aquele filhote assustado acuado por cães. Após se perder da mãe, durante um incêndio provocado por queimadas em Sinop (MT), o felino foi encontrado e resgatado em estado preocupante de desidratação.
Quinze meses depois, Xamã, que atualmente tem um ano e dez meses, continua crescendo e ganhando forças no seu processo de reabilitação. Até o final de 2024, ele pode se tornar o primeiro macho de onça-pintada a ser reintroduzido na Amazônia.
“No Dia Nacional da Onça-Pintada, o Xamã é motivo de orgulho não só para quem atua na causa animal, mas também, para quem gosta, respeita e entende o papel que a vida silvestre representa na manutenção dos biomas e, consequentemente, do clima. As queimadas criminosas, que ocorrem principalmente por conta das atividades do agronegócio, colocam em risco a vida não apenas das onças-pintadas, mas também de uma imensa variedade de animais silvestres”, afirma Júlia Trevisan, coordenadora de Vida Silvestre da Proteção Animal Mundial.
Xamã continua enfrentando desafios ambientais. A recente seca histórica na Amazônia é uma delas, além das altas temperaturas que têm afetado diversas regiões do Brasil. Para lidar com o calor, a onça-pintada busca refúgio em um dos ambientes mais frescos, o açude. No local, o felino também exercita o comportamento predatório, caçando pequenas aves. No processo de adaptação, Xamã, que não se mostra receptivo a presença humana, tem pouco contato com os cuidadores. Essa ferocidade é positiva para sua reintrodução na natureza.
“É muito importante que as onças tenham essa aversão aos humanos, para que não sejam alvos fáceis de caça. Se elas associarem um humano como alguém que fornece alimento e cuidados, não vai ter o instinto de fugir de pessoas. Isso acaba deixando esses animais mais vulneráveis em vida livre e alvos fáceis de caça”, explica Julia.
Assim que for solta, a onça-pintada vai receber um colar de geolocalização. O monitoramento à distância será para garantir que o Xamã se sairá bem ao ser reintegrado à natureza sem nenhuma ajuda humana.
Impacto nos biomas
“A onça pintada é um animal que ocorre em outros biomas do Brasil e está sob ameaça em todos eles por conta das atividades humanas, especialmente a agressiva expansão do agronegócio, que abusa do fogo para desmatar vegetação nativa”, aponta Júlia. Nos primeiros dias do mês de novembro, 989 mil hectares foram devastados pelo fogo no Cerrado, número 26,9% superior ao mesmo período de 2022, segundo dados oficiais.
Mas João alerta que a destruição no Pantanal teve motivos diferentes. “O que os dados disponíveis revelam é que, no Pantanal, o que favoreceu os grandes incêndios foi uma conjuntura de fatores. Excesso de biomassa (natural) disponível para queima. Solo, vegetação e atmosfera extremamente secos. Muito calor, ventos fortes e raios. Mais a falta de estratégias e planos operativos de fogo para atuar em focos que surgiam em algumas propriedades privadas e em Parques Estaduais, que levaram à formação de incêndios gigantescos e fora de controle\".
A Proteção Animal Mundial auxiliou no resgate e no encaminhamento do Xamã ao Setor de Atendimento de Animais Silvestres do Hospital Veterinário (Hovet) da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), onde o felino passou cinco meses se recuperando. Posteriormente, em 20 de janeiro de 2023, a ONG viabilizou o transporte do felino para um espaço de reabilitação da Associação Onçafari, no estado do Pará.
O monitoramento constante do Xamã, por meio das armadilhas fotográficas, revelou a visita de 17 espécies diferentes, algumas até mesmo interagiram com ele, incluindo antas e um outro indivíduo de onça-pintada. As imagens também destacaram que o Xamã é mais ativo entre 18h e 04h, com aparições ocasionais ao longo do dia.
Antes do Xamã, outras duas onças-pintadas passaram pelo projeto da Associação Onçafari e foram reintroduzidas na natureza. Aos poucos, o trabalho para salvar o maior felino das américas tem se mostrado promissor.